Vencer ou morrer: entre as lembranças da terra natal e a realidade no Brasil

“Partimos com a nossa honra e na América chegamos... Não encontramos nem palha e nem feno, dormimos sobre o duro terreno, como os animais, repousamos... e com o esforço dos nossos italianos, construímos vilas e cidades...”
Os trechos, da música “Merica, merica”, evocam de forma simples e objetiva o que foi o processo de assentamento e adaptação dos imigrantes que, nos fins do século 19, deixaram a península itálica para construir uma nova vida no Brasil, em especial em Santa Catarina. A vinda destes imigrantes europeus atendeu a uma política do então Império Brasileiro: ocupar os vazios demográficos do território nacional e obter mão de obra para a produção agrícola. Inicialmente, a preferência recaía sobre povos de origem germânica, mas com a diminuição da vinda destes, as atenções dos governantes brasileiros e das companhias de imigração recaíram sobre os habitantes da Itália.
Oficialmente, a primeira leva de imigrantes chegou ao Brasil ainda década de 1870. Foi, entretanto, entre os anos de 1880 e 1910 o fluxo se intensificou, com cerca de 1,5 milhão de novos colonizadores se dirigindo principalmente, para as regiões Sul e Sudeste do país. Em Santa Catarina, cerca de 95% desta massa populacional era proveniente do Norte da Itália, principalmente das regiões do Trento, Vêneto e Lombardia.
Conforme o historiador italiano Renzo Maria Grosselli, à época, o norte da Itália passava por um período de grande empobrecimento por conta do desemprego nas cidades, decorrente do começo da industrialização, e das pragas nas lavouras. Representantes do governo brasileiro e das companhias de imigração viram nesse cenário uma oportunidade e varreram a região com propaganda sobre as vantagens da ida para o Brasil.
“A propriedade média das propriedades nesse rincão da Itália naquele tempo e do sul do Imperito Austro-Húngaro era de 2,4 hectares por família. O Brasil prometia de 20 a 60 hectares. Claro, não dizia com muita clareza que eles seriam na completa floresta. Mais do que isso, eles prometiam uma casa pronta, preparada, e com 2,5 mil m2 de área já passíveis de serem cultivadas. E tudo isso era mentira, ou, pelo menos, não completamente verdade.”
Ele conta que a propaganda atingiu milhares de famílias, que deixaram o pouco que tinham em busca deste sonho. “Os nossos [trentinos] foram os primeiros e isso se espalhou nos nossos vales, o que ficou conhecido como a febre brasileira. Eles correram para os navios e se entregaram ao Brasil com a certeza de que tudo estava pronto para eles começarem uma vida nova, mas não era bem assim.”
Vencer ou morrer

Mapa da presença italiana em Santa Catarina, disponível no Museu Casa de Brusque
“Foi um desastre total no começo. O pessoal chegou e não havia casa preparada, não havia terra, nem mínima, para ser cultivada imediatamente e não havia a possibilidade de se defender. Por que ficaram lá? Porque eles não tinham um tostão para ir, mas também nenhum tostão para voltar. Então, tiveram que ficar.”
Autor do livro “Vincere o morire: contadini trentini (veneti e lombardi) nelle foreste brasiliane”, ele conta que o jeito encontrado pelos colonos foi persistir. “Inicialmente foi um desespero, mas eles tinham duas ou três coisinhas que os ajudaram bastante: em primeiro lugar uma religiosidade muito forte, então havia uma esperança no céu. Em segundo, uma união familiar muito firme. Todo mundo trabalhava, do menino de seis anos ao velho de 90 anos, se conseguisse se manter de pé. Em terceiro, a capacidade de trabalhar como mulas.”
Com o tempo e a força no trabalho, disse, as primeiras cabanas feitas de palmeira e palha, deram lugar a casas de madeira, as plantações e criações foram desenvolvidas e a fome foi deixada para trás.