Um exército de mais de 9 mil apicultores, dezenas de bilhões de abelhas e uma centena de técnicos agrícolas faz de Santa Catarina referência na produção de mel. O Estado é líder no Brasil em produtividade e um dos principais polos de apicultura orgânica no mundo.
Cada colmeia em solo catarinense tem produção média de 21 a 25 quilos por ano. O dobro do registrado no Brasil inteiro. Nas propriedades, os apicultores ostentam uma média de 65 quilos por km², mais de 13 vezes a média nacional. Uma performance que garante uma produção média 6,5 mil toneladas por ano no Estado. Volume que pode superar as 8 mil toneladas em ano de supersafra.
Os número refletem a profissionalização do setor nos últimos anos, que levou ao aprimoramento das técnicas de manejo e a modernização de equipamentos. O estopim para esse movimento foi a mortandade das abelhas ocorrida em 2011. Um terço das colmeias catarinenses foi perdido devido a uma combinação de fatores como o avanço de pragas da apicultura.
| Aúdio | O coordenador de Apicultura e Meliponicultura da Epagri, Ivanir Cella, conta que os prejuízos provocaram um choque tecnológico no setor. Ouça:
Os cuidados adotados para garantir a sobrevivência das abelhas contribuíram para o crescimento na produção em um estado que também é reconhecido pela qualidade. O mel processado por indústria de Santa Catarina foi por cinco vezes considerado o melhor mel do mundo. A distinção foi conquistada na Apimondia, maior evento internacional voltado ao setor.
Por quatro vezes, as amostras premiadas foram apresentada pela empresa catarinense Prodapys, de Araranguá, uma das principais exportadoras do País. Célio Silva, fundador e diretor da empresa, acredita que o destaque internacional se deve à produção de mel orgânico. “Tem regiões que não se faz plantação com uso defensivos agrícolas. Tem áreas bastante distantes dessas produções com uso intensivo de defensivos e agrotóxicos.Esse é o nosso diferencial”, diz Silva.
A produção orgânica é o cartão de visita do mel catarinense - e também do brasileiro - no mercado internacional. Todo ano, cerca de 9 mil toneladas de mel orgânico de produtores catarinenses e dos demais estados são processadas por indústrias de Santa Catarina para exportação, principalmente para Estados Unidos e Europa.
Tonéis de mel para exportação na empresa Prodapys, em Araranguá.
Para isso, as indústrias mantêm programas de produção de orgânicos. Um sistema de integração com os apicultores, semelhante aos mantidos pelos frigoríficos com criadores de aves e suínos. Somados, os projetos das duas maiores exportadoras do Estado, Prodapys e Minamel, reúnem quase 1,8 mil produtores em todo o País. Destes, cerca de 170 em Santa Catarina.
Para assegurar o selo orgânico, as empresas orientam e monitoram a produção dos apicultores cadastrados. O objetivo é assegurar que os apiários estão cumprindo normas relacionadas ao manejo das colmeias, higiene na extração do mel e localização dos apiários. “Nós temos auditores que estão no campo para visitar os apicultores, para ver se as colmeias estão em local adequado para produção de orgânicos, longe de plantação transgênica e de aplicação de agrotóxicos”, explica Agenor Castagna, diretor da Minamel, que processa o produto para exportação em Içara.
| Aúdio | Nésio Fernandes, ex-presidente da Federação das Associações de Apicultores e Meliponicultores de Santa Catarina, diz que a união de forças em torno do setor é a chave do sucesso do mel catarinense. Ouça:
A apicultura também tem importância para a manutenção das famílias no campo. Muitos já tem a produção de mel como principal atividade, mas, para a grande maioria, a criação de abelhas ainda é a operação secundária. São pequenas propriedades, de agricultura familiar, que têm nos apiários uma complementação de renda. “Com um investimento relativamente baixo, o produtor consegue ter um retorno já no primeiro ano”, avalia Ivanir Cella, coordenador de Apicultura e Meliponicultura da Epagri.
Muito além do mel
O mel da prateleira do supermercado ou dos tonéis para exportação não é o único fruto do trabalho das abelhas e apicultores de Santa Catarina. Outros produtos e serviços ampliam a renda gerada pelo setor e movimentam a economia do Estado.
A expansão dos negócios na apicultura mira nos apiderivados, os demais produtos das colmeias, como própolis, cera e geleia real. No município de Araranguá, há 27 anos a Prodapys transforma essas matérias-primas em uma linha de produtos que inclui xampus, condicionadores, hidratantes, sabonetes e até um creme antirrugas feito a partir do veneno de abelhas.
| Aúdio | A aposta em apiderivados garante espaço em um mercado imune à crise, segundo Cintia Silva, gerente de Produção Mercado Nacional da Prodapys, de Araranguá. Ouça:
O trabalho diversificado na indústria também permite que o apicultor se especialize na produção de apiderivados, ampliando as possibilidades de renda no campo. “Agrega bastante faturamento, principalmente para quem vai trabalhar com produtos específicos como o veneno da abelha, o pólen, o própolis, que têm valor bem mais alto que o do mel”, destaca Cintia.
Os negócios da apicultura também vão muito além do mel para quem oferece serviços de polinização. Funciona assim: os apicultores alugam colmeias para produtores de frutas por cerca de um mês, por um valor que pode chegar a R$ 80 cada. Os insetos são levados para pontos específicos nos pomares do cliente para que façam a polinização das flores, processo fundamental para produção de frutas como a maçã.
No município de Içara, há 28 anos esse serviço incrementa a renda do apicultor Agílio Manoel. Dono de 1,4 mil colmeias de mel orgânico, ele aluga entre 800 e 1000 para fruticultores da
Serra e Meio Oeste.
| Aúdio | O apicultor Agílio Manoel conta que a polinização garante faturamento em um período do ano em que os produtores ainda não têm mel para vender. Ouça:
Pelo menos 15% das colmeias catarinenses são locadas para a produção de frutas, segundo a Federação das Associações de Apicultores e Meliponicultores de Santa Catarina. Um trabalho que ajuda a reforçar o PIB catarinense. “O agronegócio maçã não existe sem abelha. A macieira é totalmente dependente da polinização. No sul do Estado, não plantamos um pé de maçã e somos responsáveis por mais de 50% da produção da fruta em Santa Catarina. Da nossa região, saem, em média, 40 mil colmeias para fazer a polinização das macieiras”, afirma Célio Silva, diretor da Prodapys, de Araranguá.
Apicultura autossuficiente
Os mais de 9 mil apicultores espalhados por Santa Catarina ajudaram a formar no Estado um mercado de suprimentos para a produção de mel. São catarinenses algumas das principais empresas do Brasil que fabricam equipamentos para processamento do produto, caixas para criação de abelhas e roupas para apicultura.
Osjuan, de Lages, fabrica vestuário para apicultores.
Um dessas companhias é a Osjuan, de Lages, que produz itens como macacões e luvas usados como proteção contra as picadas dos insetos. Mais de 1,2 mil macacões e jalecos são confeccionados todo mês, gerando 35 empregos diretos e indiretos na região.
| Aúdio | O gerente administrativo Fernando Busarello conta que a empresa desenvolve novas tecnologias de olho na crescente profissionalização do apicultor. Ouça:
Também em Lages fica a indústria metalúrgica Imesul, que há 40 anos faz equipamentos para processamento e extração de mel. A empresa gera dez empregos diretos e vende para todo o Brasil, mas até 20% da produção fica em Santa Catarina.
| Aúdio | Fabiano de Melo, diretor administrativo da Imesul, conta que a modernização da apicultura vem ampliando a demanda por tecnologia na apicultura. Ouça:
O trabalho das indústrias amplia a geração de emprego e renda proporcionada pela produção de mel. E também torna a apicultura catarinense autossuficiente na oferta de materiais. “Santa Catarina produz quase tudo o que se precisa (para produção de mel), resume Ivanir Cella, coordenador de Apicultura e Meliponicultura da Epagri.
O futuro das abelhas
Em 2011, uma alta da mortandade das abelhas provocou a perda de um terço das colmeias no Estado. O fenômeno causou prejuízos aos apicultores e intrigou pesquisadores, que ainda buscam explicações para o fato.
O susto trouxe para apicultura catarinense um debate que desde a década passada está na pauta de produtores de mel dos Estados Unidos e da Europa: a preocupação com a redução na população de abelhas.
Na apicultura norte-americana, os produtores perderam, em média, 30% das colmeias nos meses de inverno a partir de 2006. O dobro do que era considerado normal até então. O patamar se manteve pelo menos até 2014, quando a mortalidade caiu para cerca de 24%. Na Europa, alguns países também já registraram perdas de 30% ou mais.
Em Santa Catarina, a mortandade de 2011 mobilizou técnicos da Epagri, empresas e apicultores para a adoção de medidas preventivas. O foco era o combate a pragas como a varroa, uma espécie de ácaro que ataca as abelhas. O outro inimigo: a nosema, um fungo que afeta o sistema digestivo dos insetos.
As mudanças incluíram alterações no manejo das colmeias. “Aqui, quando você dá um alimento bem balanceado com proteína, diminui o número de varroa. Se tem manejo adequado na colmeia, para não deixar ficar a umidade dentro, a nosema, como é fungo, perde força”, explica coordenador de Apicultura e Meliponicultura da Epagri, Ivanir Cella
A ciência ainda não chegou a uma explicação definitiva para as ocorrências de mortandade de abelhas no Estados Unidos e na Europa. O mesmo ocorre com o episódio de 2011 em Santa Catarina.
Mas há consenso de que esses casos são provocados por uma combinação de fatores como a presença de pragas e o contato das abelhas com agrotóxicos e plantas transgênicas. Isso porque a exposição a determinados agentes químicos e a vegetais modificados pode deixar os insetos mais vulneráveis.
| Aúdio | Afonso Orth, professor aposentado do Departamento de Fitotecnia do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), diz que pesquisas da instituição indicam as possíveis causas para a mortandade. Ouça:
Os estudos sobre as causas de mortandade são importantes para adoção de medidas para preservação das abelhas. Garantir a sobrevivência desses insetos é fundamental não só para produção de mel, mas também para vida vegetal. “Mais de 90% das plantas dependem da polinização por abelhas e outros insetos polinizadores. Se esses insetos desaparecem, os vegetais não reproduzem mais. Sem novas plantas, não vamos ter mais animais que possam se alimentar desses vegetais para povoar os ecossistemas”, analisa Orth.
O professor aposentado ainda sugere que ações da Assembleia Legislativa podem reforçar o cuidado com o futuro das abelhas. “Nós poderíamos ter uma legislação que fosse mais favorável à preservação das abelhas. Como, por exemplo, zoneamento para se utilizar determinadas culturas ou produtos agrícolas. Talvez, proibir determinadas moléculas químicas que sejam altamente maléficas às abelhas”, diz Orth.