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09/12/2016 - 11h18min

Historiadora detalha participação feminina na resistência ao golpe de 64

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Olívia Rangel Jofilly, historiadora, autora do livro “Esperança equilibrista: resistência feminina à ditadura militar no Brasil”

Luta armada, clandestinidade, militância partidária, defesa da anistia e até participação involuntária: as brasileiras resistiram ao golpe civil-militar de 1964 de diferentes maneiras. Olívia Rangel Jofilly, historiadora, autora do livro “Esperança equilibrista: resistência feminina à ditadura militar no Brasil”, detalhou como elas atuaram em palestra que proferiu, alusiva ao dia internacional dos direitos humanos, na noite dessa quinta-feira (8), no plenarinho Paulo Stuart Wright da Assembleia Legislativa.

– As mulheres participaram da luta armada na cidade e no campo, como no Araguaia. Lutavam em igualdade de condições com os homens. A gente conhece algumas dessas mulheres, mas é muito pouco. A Guiomar (codinome), por exemplo, foi presa e levada ao DOI-CODI. Lá ela pulou de uma janela e se quebrou toda. Eles pegaram a Guiomar do jeito que estava e a levaram para a tortura. E ela nunca tinha dado uma entrevista! Essa mulher está aí, essa história precisava ser conhecida, a coragem que tiveram é pouco conhecida.

A clandestinidade foi outra opção. Voluntariamente deixaram para trás pais, irmãos e amigos e foram constituir outras famílias, de fachada, para encobrir atividades sensíveis, como divulgação e imprensa, serviços gráficos, transporte de material, contatos com partidos e direções.

–Era uma espécie de exílio, um exílio interno, dentro do país. Longe, isoladas das famílias, iam formar outras famílias com outros nomes e não podiam ter contato com ninguém. Era uma vida diferente dentro do nosso próprio país. Quando houve anistia, muitos foram recebidos nos aeroportos, mas os exilados internos voltavam e ninguém sabia de onde estavam vindo. Elas foram fundamentais para a sobrevivência de famílias inteiras. Meu sogro faleceu e só fomos saber seis meses depois. As coisas aconteciam, morria e nascia gente e não sabíamos. Era um trabalho que exigia muita dedicação e pouco reconhecimento. Há poucos materiais sobre o assunto, pouca coisa foi publicada sobre essas histórias.

As mulheres ainda optaram pela militância partidária, principalmente no Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e no Partido Comunista Brasileiro (PCB), além de outras organizações, como a Ação Popular (AP), de orientação católica, Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Ação Libertadora Nacional (ALN), entre outras identificadas com o marxismo-leninismo.

– Também nos partidos tiveram atuação importante, significativa, mas com dificuldade, sem muita participação nas direções. A Guiomar contou que os homens queriam proteger as mulheres da luta, não deixavam que fossem para linha de frente, mas elas queriam participar. Muitas lutaram, foram presas, torturadas e morreram.

Não foram apenas as ideologias de esquerda que levaram as brasileiras a resistir. Centenas foram arrastadas pelas circunstâncias, eram esposas, mães, irmãs e filhas daqueles que foram presos, mortos ou que simplesmente desapareceram sem deixar rastros no turbilhão de violência que imperou, principalmente nas décadas de 1960 e 1970.

– Muitas nem sabiam que faziam parte da resistência. Tem a história de uma mãe que a filha tinha ido para o Chile e lá pegou outro golpe (contra Salvador Allende). A mãe foi atrás. A filha estava em uma situação desesperadora, tinha um filho pequeno e o marido estava preso no estádio (Nacional). Elas compraram uma Kombi, colocaram o bebê na Kombi e passaram dia e noite nas ruas, recolhendo pessoas e levando-as para as embaixadas. Quem conseguia entrar nas embaixadas estava salvo. Quando fui entrevistá-la, me disse: ‘eu não fiz nada’. É uma história que a gente sequer conhece, mas elas foram homenageadas na Suécia pelo número de pessoas que salvaram.

Cenas dos porões
A historiadora descreveu cenas desumanas ocorridas nos porões da ditadura e destacou a importância das novas gerações conhecerem esses relatos para compreenderem as escolhas dos homens e mulheres que viveram e atuaram naquela época.

– As mulheres presas e torturadas não eram melhores que os homens, eram tão resistentes quanto. Vejam a história da Dilce (codinome). Chegou um momento que ela disse para os torturadores: ‘vou falar, mas só se vocês me tirarem do pau de arara”. Tiraram, então ela continuou condicionando. ‘Só vou falar se vocês deixarem me vestir’. Deixaram. ‘Quero um cigarro’. Deram. ‘Um café’. Quando terminou o cigarro e o café ela disse ‘agora eu descansei e não vou falar nada’. Voltou para a tortura até às 5h30, porque nessa hora passavam por perto muitos operários e os torturadores não queriam que ouvissem algo. Quando chegou a hora eles pararam, então ela falou, rindo: ‘mais um dia que venci’.

– Depois da sessão de tortura, levaram Dilce para uma cela isolada, escura, fria e barulhenta, que tinha somente um colchão de palha. Ela era fumante e estava desesperada. Ficou remexendo no colchão e achou dois cigarros, fósforo e um bilhete: ‘para próxima moradora deste hotel’.

Cia Espalhafato
Antes da palestra, a companhia de teatro Espalhafato apresentou cinco esquetes baseadas no cotidiano daqueles que combateram o golpe. Em uma delas a ação envolveu o cadáver de um operário (boneco), um policial, o legista e seu assistente. Durante a necrópsia o médico retirou do estômago do boneco vários cartazes com conotações politicas atuais: escola sem partido, pato da Fiesp, pré-sal, PEC 55, além de um grão de feijão.

– Vejam! Um grão de feijão germinando no estômago do operário! Que contribuição à ciência moderna! O estômago do operário gerando o seu próprio alimento! Claro, isso é só o começo, com o tempo poderemos gerar toda a cesta básica no estômago do operário. E a reforma agrária? Se o operário produz seu próprio alimento, pra quê terra meu amigo?

Parceria profícua
O ato alusivo ao dia internacional dos direitos humanos foi promovido pelo Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça e pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa (CDH). Dirceu Dresch (PT), presidente da CDH, lembrou a parceria do Legislativo com o Coletivo e ressaltou o trabalho voluntário dedicado à memória e à verdade histórica.

– Nós apenas contribuímos de forma simples e singela.

 

 

Vítor Santos
Agência AL

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