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Publicado em 15/09/2015

O surgimento da dupla Jackson e Kalil

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A formação da dupla é um processo em construção e depende do tempo compartilhado e das atividades realizadas em parceria. FOTOS: Lucas Diniz/Agência AL

Desde que largou a bengala para confiar seus passos ao cão-guia Kalil, Jackson Pereira se sente mais seguro. "Já tinha certa autonomia e independência, deslocava-me de ônibus de casa à universidade e ao trabalho. O Kalil me deu segurança para desviar de obstáculos e lidar com o trânsito. A presença dele representa proteção."

A maior dificuldade do deficiente visual era identificar e superar certos obstáculos, como buracos, postes, galhos e poças d'água. O acidente mais grave que sofreu antes de contar com o apoio de Kalil foi a queda em um buraco. "Não percebi com a bengala e a minha perna esquerda ficou presa em um bueiro sem tampa. Não quebrei a canela por muita sorte."

A chegada de Kalil também proporcionou mais tranquilidade à família de Jackson. "É uma bênção, pois sentimos segurança no cão. Antes aconteciam alguns pequenos acidentes. Ele chegava sangrando por conta de batidas em uma lixeira aberta, na carroceria de um caminhão que estava para fora da calçada, coisas que a bengala não conseguia alcançar", conta a mãe do estudante de 30 anos, Bartira Wagner Pereira.

A dupla Jackson e Kalil está estreitando a relação de parceria, iniciada no dia 4 de maio, quando foram apresentados no Centro de Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-Guia, no Câmpus Camboriú do Instituto Federal Catarinense (IFC). "Nesses meses em que estamos juntos já tenho plena confiança de que ele vai conseguir me defender dos obstáculos. Ele sempre procura o melhor caminho para passar. Quando não tem, ele para e espera", comenta Jackson. "Dizem que uma dupla leva seis meses para chegar à perfeição. Nunca tivemos nenhuma batida, só raspadas de ombro. Quando acontece de eu esbarrar, dá para perceber que ele fica chateado. Às vezes sou eu que erro, que não acompanho o movimento dele", complementa.

Esse aprimoramento depende do tempo que a dupla compartilha e das atividades realizadas em parceria. Na avaliação do coordenador pedagógico do curso de Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-Guia, Paulo Martins, a rotina diária ativa de Jackson estimula o desenvolvimento de Kalil. Durante a semana, a dupla circula de ônibus entre os municípios de Palhoça e Florianópolis. Morador da Ponte do Imaruim, Jackson estagia na Assembleia Legislativa, no Centro da capital, e cursa a faculdade de Engenharia Ambiental e Sanitária na Unisul, localizada no bairro Pedra Branca. 

A adaptação de Kalil no ambiente de trabalho, no Parlamento catarinense, ocorreu de forma natural. "Foi bem tranquilo, ele é muito comportado. Ao chegar, já se acomoda debaixo da mesa, e não incomoda ninguém. Muita gente chega a nossa sala e nem percebe a presença do Kalil", diz Jackson.

Em pouco tempo, o labrador cativou os colegas do setor de Serviços Técnicos da Alesc. "Ele é um querido, não atrapalha, fica ali quietinho", confirma a coordenadora Mirian Lopes Pereira. Aqueles que convivem com a dupla aprenderam a respeitar a orientação de não interagir com o cão-guia em serviço. "O pessoal adora o Kalil, dá vontade de fazer um carinho, mas a gente respeita e se contém para não tirar a concentração dele, que está focado em ajudar e proteger o Jackson."

Em casa, Kalil já é considerado um membro da família. "Não tivemos dificuldades na adaptação. Ele é um companheiro maravilhoso. Houve o ciúme natural da Fiona [cachorra da raça boxer], mas já foi superado, está tudo bem", ressalta Bartira.

Planos
Agora Jackson se prepara para outro tipo de adaptação. Depois de seis anos de relacionamento, em breve ele mudará com a esposa, Izabella Hames, para um novo lar. "Sempre morei com a mãe, ela me ajuda bastante em muitas coisas. Vou ter que encarar uma nova vida. Vai ser uma mudança grande, mas estou preparado, bem tranquilo." Para Izabella, é mais um sonho realizado. "O começo é difícil para todo mundo, mas sempre sonhamos, batalhamos e evoluímos juntos. Seremos muito felizes."

Esse importante passo na vida de Jackson não poderia ser dado sem a presença de Kalil. Ele já participou do ensaio fotográfico para o álbum de casamento e vai acompanhar a cerimônia religiosa, marcada para o dia 19 de setembro. O casamento civil foi realizado no mês de agosto. "Penso em um jeito para que ele consiga levar as alianças. Alguma participação especial no casamento ele vai ter", promete.

Outra conquista que deve ser comemorada em breve é a formatura de Jackson no ensino superior. Ele está na última fase da faculdade, etapa que exige a elaboração do trabalho de conclusão de curso (TCC) e o estágio na área de atuação. A experiência adquirida no programa Alesc Inclusiva não é validada pela universidade. "Ainda assim, a oportunidade que recebi da Assembleia foi muito importante e vai fazer parte do meu currículo."

O doce e fiel amigo Kalil
O cão Kalil não poderia ter recebido um nome mais apropriado – Kalil, em árabe, significa amigo. Desde filhote já apresentava o temperamento dócil e sereno e a habilidade natural para aprender a função de guia. "É um animal obediente e muito companheiro. Não foi difícil fazer a socialização. Fazia as artes dele, como todo cão, mas foi muito tranquilo. Seguíamos sempre as orientações e, quando surgiam dúvidas, ligávamos para o treinador ou o instrutor para conduzi-lo corretamente", lembra o voluntário Michael Almeida.

Emocionado, ele se recorda do comportamento de Kalil, especialmente em uma ocasião na qual a filha, Júlia, ficou doente. "Ele dormia ao lado da nossa cama, na caixa dele. Se eu levantasse à noite, ele me acompanhava, mesmo estando frio e ele dormindo quentinho. Toda vez. Quando eu ia tomar banho, deitava no tapete do banheiro e me esperava sair. Isso tudo sem chamar. Quando a minha filha ficou doentinha, ele dormia ao lado da cama ou na porta do quarto dela. Incrível essa sensibilidade!"

Hoje com 2 anos e meio, o labrador Kalil repete a conduta com Jackson. Mesmo dentro de casa, onde fica sem o arreio, e, portanto, liberado do serviço, não deixa de seguir o parceiro. "Ele é muito companheiro mesmo. Apesar de ser um cão-guia treinado para o trabalho, passou a ser um amigo. Está sempre comigo, não só quando me conduz, mas também em casa. É carinhoso, fica atento a todos os meus movimentos. Acompanha tudo o que faço. Se eu vou ao banheiro, por exemplo, ele me espera na porta."

Para o treinador Leonardo Goulart, Kalil é um cão especial. Entre os seis cachorros preparados por ele para atuarem como guia, Kalil foi o que aprendeu as técnicas com mais rapidez. "Com apenas três meses de treinamento ele já estava pronto para guiar, era capaz de realizar o trabalho. Não acreditava naquilo! Não precisei ensinar determinadas coisas para o Kalil, era uma habilidade natural mesmo."

Além da capacidade de aprendizado, a índole do cachorro também impressiona Goulart. "É um cãozinho muito doce, meigo, sutil. Extremamente inteligente, intuitivo, cuidadoso e preciso. Não é necessário pegar na guia para conduzi-lo. A correção é só na voz, devido à grande sensibilidade corporal dele."

A dedicação demonstrada por Kalil comove a esposa de Jackson, que chama o cão de "anjo de quatro patas". "É algo divino, muito lindo mesmo. A parceria entre homem e cachorro é realmente especial."

Como tudo começou...
E pensar que tudo começou quando Jackson ouviu no programa de rádio "A Voz do Brasil", em agosto de 2014, uma notícia sobre a chamada pública da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República para a criação do Cadastro Nacional de Candidatos à Utilização de Cães-Guia, voltado a pessoas com deficiência visual interessadas na iniciativa. O cadastro é parte do processo pedagógico do curso de Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-Guia, sediado no Instituto Federal Catarinense (IFC).

Jackson revela que desde que perdeu a visão tinha interesse de ter um cão-guia para assegurar sua mobilidade com a máxima independência possível. A cegueira foi ocasionada por uma crise de hipertensão. "Comecei a perder a visão com 12 anos, mas até os 17 eu ainda enxergava relativamente bem. Com 19, tive uma convulsão devido a um problema renal e quase fiquei cego." Aos 20 anos, Jackson fez o transplante de rim. "Estava fazendo hemodiálise e, por conta da pressão alta, fiquei em coma por três dias. Quando acordei, tinha perdido totalmente a visão."

No entanto, o desejo de contar com o apoio de um cão-guia esbarrava na limitação dos recursos necessários para a aquisição do animal. Calcula-se que um cão-guia custe, atualmente, cerca de R$ 30 mil. "Sabia que era muito complicado para ter um cão-guia, que tinha que ter recursos. Quando lançaram a chamada, fiz a minha inscrição no mesmo dia."

Vencidas as etapas de avaliação do IFC quanto às condições físicas, psicológicas e financeiras de Jackson para manter um cão-guia, ele se tornou um dos 15 beneficiados gratuitamente pela ação estabelecida no Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, do governo federal.

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